Como é o passar do tempo ao olhar para trás?
Já se passaram anos desde que me perguntaste esta idiotice. Sempre tinhas vivido tão agarrada ao presente que não sabias que o passado não era como um reflexo, não podias só olhar para ele e tentar descobrir o que se escondia por detrás de cada inflexão da memória. Tentei explicar-te isso mesmo, embora para ti isto não fizesse qualquer sentido
Não eram já as razões que pareciam ter importância à medida que atrasava o passar do tempo mas sim as novas formas que encontrava para fazer o tempo andar para trás à mesma velocidade com que mudava o meu aspecto. A perpétua vontade de não parar e avançar continuamente em direcção a um futuro que não podia ser meu mas que ainda assim tinha que coincidir com o teu.
Da vontade de alterar tudo e não conseguir jamais quebrar os laços que me mantinham agarrados à tua alma sempre nasceu um perpétuo desaparecer que não sendo o projectado para os restos e fragmentos decorrentes do desaparecer da Razão, serviu igualmente bem os intentos que inconscientemente lhe deram vida (ou morte, neste ciclo as duas são uma só e ao mesmo tempo nenhuma). Desaparecer eternamente nas brumas do espaço e do tempo e tornar toda a existência que experimentei numa vaga nota de rodapé no gigantesco livro onde a história do universo ainda é escrita reescrita à força de conhecimento que ultrapassa os fracos instintos humanos. Desaparecer suavemente na torrente de memórias perdidas onde toda a humanidade se recusa a procurar as respostas a questões que já existiam antes de nós. Levar tudo o que resta deste frágil corpo a esse perpétuo esquecimento para nele me tornar num vazio igual ao que carrego num esconso escondido nas entranhas mantidas vivas através do veneno que é tanto teu como meu, tornar-me nesse vazio por completo e igualar o exterior ao interior através da única maneira através da qual os humanos podem escapar às garras do funesto destino, a maneira final de proclamar a arrogância.
Desejei, tornar-me um só com a tua morte e mesmo esse último desejo foi-me negado. Quebramos demasiadas leis para que agora possamos tentar voltar a corrigir o deambular do tempo e a capacidade de provocar alterações no meu futuro foi-me tirada assim como a toda a extensão de argumentos que sempre tive comigo para me levarem através desta não-vida. Modelar o futuro de acordo com a ideia que tenho ti, gravada no fundo da minha alma, não chega para saciar a sede que me corrói as entranhas e faz ressair o negrume existente em mim. Preciso de uma morte que me possa dar um descanso e não continuar a sobreviver contra a torrente que apesar de todos os esforços em contrário continua mais forte a cada dia. Preciso de dormir, deitar-me ao teu lado e só acordar quando vários milénios se tiverem passado. Preciso de descansar, e se não posso ter a morte eterna então dá-me uma pequena parte da tua já que a que tens chega e sobra para me alimentar também.

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