Promessas Secretas
Dou as boas vindas ao tempo que encontro à minha espera no regresso do último voo que empreendi pelos confins e para além dos limites da sanidade e da minha alma. Descobri a única verdade que não pode ser mudada, a imutável perenidade dos ciclos de tempo. Estiquei até impensáveis fronteiras a dilaceração da alma e ainda assim não consegui esgotar a aparentemente infindável capacidade das minhas asas para absorver cicatrizes e rasgos que me deviam deixar cada vez mais próximo dos limites da própria vida.
Nas sombras que o meu corpo projecta no chão, corre ainda o sangue amaldiçoado das cicatrizes e o infindável rio que as Gémeas deixam à sua passagem como se os anos não tivessem já passado e os estragos provocados na realidade se perpetuassem em afinidade com a memória. Nas mesmas sombras onde outrora te abrigaste ao fugir de ti própria e ambos jurámos jamais voltar a obedecer às regras instituídas.
Promessas…
Fizemos tantas e cumprimos quase todas, não fosse a minha insistência em perpetuar-te teria cumprido todas, mesmo a que te fiz apesar de morta.
Quando ainda respiravas pediste-me que continuasse a viver, ainda que fosse com um coração emprestado, que não deixasse que a memória me toldasse a razão e que esquecesse os cordéis que ligavam as nossas almas. Querias, em suma, poder ter o descanso que eu tinha projectado para daqui a meia eternidade num tempo que egoisticamente tomaste para ti. Porque não querias deixar-me parar. Num último impulso a arrogância que sempre tiveste em ti quis apenas ter mais um momento de glória e controlar o voo da Fénix Negra.
Agora que a retorcida memória de diz estas palavras, consigo perceber o ridículo. Julgaste que eu controlava a Fénix quando na realidade era ela que tinha as asas presas à ponta dos cordéis, era ela que controlava os impulsos do sentir completamente independente dos núcleos que pulsassem em mim e da vontade do cão negro que guardava a entrada da minha alma e os restos das minhas memórias.
Quantas vezes tentaste em vão vasculhar os intervalos do tempo para descobrir onde estava escondido o segredo da minha morte, quantas vezes arrancaste a minha carne em busca dos invisíveis cordéis que regiam a insanidade ao mesmo tempo que agarravam os restos do meu núcleo original ao corpo em constante mudança.
Se ainda tivesse em mim a força para fazer os ciclos do tempo voltarem atrás, dava-te o vazio invisível a que as lâminas Gémeas deram origem, a mais perfeita extensão da tua morte jamais criada, dava-te esse insensível pedaço de metal para que cortasses os meus cordéis à tua vontade até que nada restasse deles senão as marcas deixadas pelos espinhos dos quais eles se compõem quando ao quebrar a tensão os restos voltassem a enroscar-se no meu coração. Dava-te o segredo da minha morte em vez de me habituar a ter-te ao meu lado incontáveis noites a levar-me a novos limites da realidade. Dava-te toda a vida que já tive em mim em troca do abraço da mortalidade e de uma continuação da história que deixámos por escrever. Abraçava-te nas asas negras que sempre quiseste só para ti, e que sempre te aqueceram quando o frio da noite caía sobre os nossos corpos.
Mas já não consigo, e levanto a minha voz à Lua e peço em vão...
Dá-me asas de novo e deixa-me acreditar que por detrás dos ciclos da vida se encontra algo mais que um fim, um tempo e um lugar onde as estrelas brilham sempre, o dia não se ergue e a noite é eterna como nós.
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