R.S.N. I

Mais um dia a nascer…
Chego a casa e penso que não devia aqui estar, que toda a vida que há tão pouco tempo começou e que mal cabe em mim merece uma liberdade diferente. Podia pensar em voltar atrás, tentar ver um novo dia a nascer contigo, mas já é tarde demais para mudar o presente. Existem momentos em que nada pode ser alterado, quando o dia desperta é um deles.
A luz do sol fere-me os olhos enquanto agarro de novo o volante e vejo nas minhas mãos as marcas das tuas unhas, imagino as tuas mãos nas minhas e automaticamente vem-me o teu cheiro; a minha roupa perdeu o meu cheiro e agora tem o teu, ou pelo menos e mesmo que seja paranoia minha eu só sinto o teu doce aroma arrancado à longa noite que bem podia ser a primeira do resto desta imitação de vida que tinha antes de sentir os teus lábios a tornarem este velho coração de novo num orgão pulsante e a transbordar de vida.
Recordo-me do teu olhar, selvagem, sedento, tão diferente e tão igual ao meu que julguei ver-me a mim ao olhar através dos teus olhos, julguei ver tudo o que fui e tudo o que posso ser, um renascimento no espaço infimo de uma batida do coração perdida através dos lábios. Lembro-me da forma como o meu corpo tremia e de como a realidade pareceu distorcer-se num instante sem que eu conseguisse controlar nada enquanto faziamos promessas sem palavras e o vento se arrastava à nossa volta sem que o frio nos conseguisse tocar nem arrefecer os impetos e a sede que nos corria no sangue.
Agora que acelero e tento fugir ao nascer do dia lembro-me também da angustia gritante com que me dilaceraste o coração depois de o teres feito renascer, lembro-me também de palavras que de tão simples pensei que não podiam carregar algo tão destruidor nem tão complexo como a morte de um sentir ainda tão recente e tão desconhecido, lembro-me… de depois me teres devolvido a vida e de me fazeres renascer mais uma vez ainda, de me fazeres perceber que o meu coração te pertencia para além do fim dos dias e que despertava em mim algo inédito, um turbilhão que se erguia de um lugar supostamente deixado vazio para esconder os mais profundos desejos passou a albergar um sentimento tão intenso e incontrolável que parou a expansão deste vazio negro em mim. Algo tão sublimemente indefinivel que ainda hesito em dar um nome tão banal e já gasto como amor.
Não porque não saiba o que me fazes sentir, embora ainda esteja a descobrir muita coisa, mas porque dar um nome ao que corre em mim seria libertar num mundo que não está preparado algo tão temivel, perigoso, que não pode ainda ser compreendido nem limitado, mas ao mesmo tempo tão maravilhoso que o quero guardar egoisticamente para mim.
Dizes-me palavras que não sei o que significam porque me perdi há muito nos teus olhos, falas-me de outros tempos mas eu só me interessa o agora porque no passado não estava contigo e o partes dele ainda me fogem à compreensão, mas falas-me já do futuro também e de uma vida única a governar os nossos corações, da incerteza e do medo, de todas as dúvidas que no fundo também se reflectem em mim. Perguntas-me se te quero.
Se te quero?
Quero-te. Através do tempo, através do espaço, num sitio onde a realidade não chega e só tu e eu existimos.

Comentários

  1. Ecoou em mim... mesmo com todas as tuas nuances, poderia ter sido escrito e sentido por mim porque me revi na tua angústia, no desespero do teu amor...

    Sabes que volto... :)
    Beijo

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  2. Espero que volte Wolverine.......e que.....bem, U Know what I mean!!!!!

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