R.S.N. Requiem

Estou.
Sentado no vazio que a minha mente concebe é ao olhar as luzes da cidade ao longe que me afundo na modorra do pensamento racional.
Os olhos olham sem nada ver e o corpo nada sente além do vento frio, as mãos retorcidas no teu pescoço à espera que o vento se torne tempo e o tempo degenere em algo imprevisível porque no fundo é isso que sempre me quis tornar. Levar a vida sem destino sem me deixar guiar pelo vento nem pelos desejos, não pensar, não lutar, não seguir, ser... Existir sem um tempo definido e sem uma vontade, não contar, ser um nada de passagem, uma sombra que não deixa rasto, uma vaga ideia do nada, uma brisa suave que acaricia as folhas mortas sem as mover deixando apenas o frio toque da sua passagem.
Algo sem tempo que se movimenta no espaço existente entre a realidade e uma não-vida fragmentária afectando mudanças imperceptiveis ao controlar os laços de uma vida já gasta mas ainda pulsante na sua vontade instintiva de mudar e tomar uma Morte que me tem fugido desde que tu a fizeste egoísticamente tua amante e mudaste a face do tempo à vontade da insanidade reinante no nucleo do sentir sabendo que eu não podia existir nem contigo nem sem ti ao mesmo tempo que sabias que eu só sobreviveria alimentado pelo teu coração a substituir o velho e sem vida que me pesava no peito e pelo doce veneno que nos fazia erguer as asas na busca de um céu eternamente nocturno na busca desenfreada de uma forma de parar o fogo que nos corria nas veias.
Outrora houve um tempo em que teria dado tudo para continuar a existir, ainda que fosse a mais ínfima partícula de mim, enquanto algo pulsasse no vazio deste corpo gasto ainda seria eu, ainda seria parte de ti mantida viva numa alegoria eterna da insubstancialidade forçada dos nossos laços. Mas deixou de haver um porquê. Deixou de haver uma razão para manter parte de ti viva quando tu própria abandonaste essa vontade e me pediste para continuar sem pensares nas consequências como sempre fizeste, como se fosses apenas mais uma luz que se apagasse e não uma extensão mais que perfeita de mim, o cerne da minha alma. Deixou de haver algo que me impeça de sepultar a tua memória...
Mas basta que a memória dos teus lábios me surja para me perguntar se tudo isto não será egoísmo meu também. Na verdade não é a tua memória que quero obliterar, é a minha. É o único sitio onde ainda existes para além do silêncio e onde a memória dos sentimentos permanece viva e grita a plenos pulmões que ainda te amo que quero destruir completamente para voltar a não ter um sentido nem uma razão que me façam ficar noites em claro sempre com este sentimento de perda perpétuo, com este deslizar para a ignorância e para o esquecimento.
Desenho uma curva no tempo e através das estrelas mergulho na memória de dias em que a eternidade não parecia algo sem sentido. Vejo-nos deitados ao longe sob um céu que parece não ter fim, os nossos corpos estendidos a contemplar a imensidão do espaço sem tirar da realidade parte do que os sonhos não alcançam nem conseguem fazer mudar. Olho para um vazio que começa a ser igual ao que agora trago em mim e que tal como toda a angustia que escorre desta ferida mortal começa sempre nas tuas memórias, no que guardo da ilusão perfeita, da vida perfeita com que sonhei ao teu lado, em que nos sonhei. Tudo é um sonho, uma ilusão dentro da ilusão em que se tornou a vida sem ti nem algo que a oriente num rumo secretamente destinado à felicidade que sempre nos fugiu.
Volto a acordar para uma realidade desprovida de sentido nem razão. Paira uma sombra de morte sobre mim...
Mas... abro os olhos e já não existe essa sombra. Acordei num tempo em que os ciclos me deram de novo uma razão para me erguer e sorrir, para levantar as asas e voar!

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