Espera Vermelha

“Abre os olhos meu Anjo…”
Ainda são estas as palavras que espero ouvir ao acordar. Mais do que ouvi-las ainda espero sentir-te deitada ao meu lado, o cheiro estranho do teu cabelo, a tua pele suave a tocar a minha, as tuas unhas ainda partidas de arranharem a minha dura carapaça, e mais que tudo os teus lábios.
Vermelhos, sempre vermelhos como se o sangue nunca os abandonasse e nem o frio da noite ou o beijo da Morte os pudessem alcançar. O teu doce veneno sempre à minha espera por detrás deles e neles, a promessa de noites que eu não podia ainda ver ou entender sempre pendurada neles à espera que te tomasse nos meus braços e abrisse as asas sobre ti para te aninhares entre elas, mas sempre à minha espera.
Se te sussurrasse agora que já falta pouco para voltar a ti acreditavas?
Adiavas o teu último voo sobre o negro do mar e esperavas que me juntasse a ti?
Não. Sei que não o farias e eu nunca seria capaz de te pedir isso. Sei que não o fizeste e que apenas o teu o teu corpo restou comigo. O teu corpo que lentamente volta ao nada e alimenta as negras orquídeas que plantei sobre ele para ter ainda um pouco do teu perfume agarrado à minha carne. O teu corpo que aos poucos vira pó. O receptáculo das minhas asas que deixei noutra vida. A beleza marmórea da tua carne que ainda conservava os teus lábios quando os beijei pela última vez antes de te dar à terra que te viu nascer. E os lábios ainda vermelhos, sempre vermelhos.
Sem que o tempo passasse, a cor deles diluiu-se nos meus e agora carrego comigo esse último beijo como uma panaceia que cura até os mais fundos rasgos na minha carne e me deixa os sentidos livres para buscar a forma de te beijar novamente ainda que os sentimentos que o teu toque provoque já não sejam os mesmos. Ainda que o sabor das tuas palavras e da tua voz não tenha já o condão de fazer vibrar cada cordel ligado à minha alma e que o teu cabelo já não tenha o mesmo aroma ou que as tuas unhas não me arranquem a insanidade debaixo da pele por entre cada suspiro que consigas tirar ainda de mim.
Quero acreditar que um dia este vazio em mim vai servir apenas para alimentar chamas que nem eu serei capaz de controlar mas tenho ainda tão vivas em mim as memórias de ti que não posso, nem quero, tornar-me apenas num turbilhão de chamas que na sua fúria irá acabar por consumir tudo à minha volta.
Quero apenas sentir a tua voz a roçar nas árvores através da noite e distinguir entre esses murmúrios algo que me diga como hei-de ter-te de novo, algo que me diga quando poderei ver de novo as promessas pendentes dos teus lábios.
Mas no final de tudo serão esses beijos pelos quais espero ainda marcados pelo vermelho?

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