Perpétuo Agora

Se vejo reflectida a minha alma no espelho dos teus olhos é devido à forma como fitas o céu quando as tuas asas já estão cansadas de o rasgar.
É apenas um reflexo da forma como acreditas que ainda é possível distorcer os ciclos do tempo à tua vontade, fazê-los retroceder ou avançar conforme os desejos das maldições que correm no sangue que partilhas comigo. Quebrar esses ciclos, intersectá-los com outros, o que para mim não passam de puras abstracções metafisicas, são para ti ansejos tão antigos quanto a tua própria alma que perpetuados ao encontro da minha insanidade encontram uma razão para subsistirem agarrados à promessa que te fiz de encontrar forma de eliminar suavemente o significado do continuum espaço-tempo.
É apenas um sonho digo-te. Não te posso dizer que já encontrei forma de cumprir a promessa, que já conhecia a resposta a ela ainda antes de te a fazer, que a conhecia desde que te conheço. Não te posso dizer que a resposta me corre nas veias, que é ela que provoca o bater descompassado deste velho coração quando voas ao meu lado ou quando me rasgas a pele na pressa de chegar ao centro de mim nas alturas em que só o sangue não te chega.
Também tu me fizeste uma promessa lembras-te?
Prometeste-me (como se fosse algo completamente banal) a eternidade contigo.
Mas que sentido teria a eternidade se o tempo e o espaço já não tivessem significado?
Nesse caso tudo se perpetuaria e podia pedir-te para me prometeres um fim, um ciclo de tempo fechado em que o sol e a lua se revezassem no céu enquanto eu descansava os olhos do teu brilho ofuscante ao som do vento a agitar as folhas das árvores. Ou talvez te pedisse uma sinfonia de outono com o som de cada folha que cai; um som único e indistinguível entre o cinzento do céu e o dourado do chão.
Olho para o espelho dos teus olhos e rio-me de tudo isto. Vejo apenas o fundo da tua alma e tudo o que nela corre, até mesmo o tempo.
Conto-te que já sei a resposta, que a tenho mesmo à minha frente, reflectida nos meus olhos. Liberto-te da tua promessa e peço-te algo novo, algo que até então não era capaz de entender.
Já não quero a eternidade, quero que estejas comigo, o tempo e o espaço não me importam. Quero que estejas ao meu lado sempre que abro as asas, sempre que a memória me falha, sempre que o coração bate fora do compasso que se tornou tão teu.
Não me dês uma eternidade contigo, dá-me apenas um perpétuo agora...

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