Sonhar (Parte II)

No meu sonho o frio vento de inverno acaricia-me a cara e enquanto me dirijo para o carro agradeço às deusas que inventaram as camisolas de lã. Finalmente entro no carro, ligo o ar condicionado na temperatura máxima e abro os vidros. A temperatura começa a tornar-se violentamente instável e arranco, de mansinho, já não são horas de fazer barulho.
Rectas, rotundas, curvas, contra-curvas, sigo em frente sem ter destino aparentemente traçado, sempre para além dos limites legais e racionais de velocidade e ainda assim tudo me parece passar-se demasiado lentamente. Vêm-me à memória um Einstein perdido de bêbado a enunciar a teoria da relatividade num qualquer bar enquanto o rádio grita mais alto que o motor do carro “…não quer chorar, mas seus olhos vertem a dor, de morrer para não matar…”. Os velhos Ornatos Violeta e estas palavras que me ficam sempre a ressoar no crânio quando as ouço. O acelerador perde pressão gradualmente e as curvas da Arrábida dão-me as boas vindas com o conhecido aroma a mar. Num impulso levo os travões à incandescência e para no antigo caminho, a antiga praia onde tantas vezes vi o sol nascer sentado entre as frias rochas, escondido de mim próprio. Caminho descalço por entre a areia molhada e deixo que o frio ar do mar me arrefeça os ímpetos. No fundo espero apenas que o tempo passe antes de ir ao encontro do que sei inevitável desde o primeiro olhar.
É incrível a forma como o que nos dias de verão é um antro de cascas vazias, se transforma nas noites de inverno num dos poucos sítios onde consigo acalmar, ainda que por breves instantes, as chamas eternas que me consomem a alma. O piar distante de uma coruja desvia-me de volta à areia e mais uma vez enfio-me no carro e arranco. O tempo que passa entre estar completamente calmo e chegar ao antro de perdição do costume, é suficiente para reacender as chamas da mente e voltar a voar sobranceiro a tudo. Lugar para estacionar à porta. Rio-me. As corujas nunca falham não é?
Desligo o carro e deixo-me...(Continua)

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