Sonhar (Parte VII)


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A memória guia-me o braço até ao telemóvel que voa imediatamente para a outra ponta do quarto. Que raio de maneira de acordar. Fico com a nítida sensação de que tinha acabado de adormecer. Os números vermelhos não mentem, 23H27. Ainda é cedo. Rio-me do meu mau feitio. Agora tenho que me levantar para ir ver o telemóvel. Foi a curiosidade que matou o gato não foi? O que é que ela fará aos ratos e aos corvos? O meu sexto sentido diz-me que não são os normais ecos do exterior e isso é suficiente para me arrancar do calor das mantas. Como sempre um arrepio percorre-me o pescoço. Tenho saudades do meu cabelo rebelde. Resisto um pouco mais à curiosidade e calmamente ponho ordem às folhas soltas por cima da minha cama, ou os vestígios da minha mania de que sei escrever como gosto de lhes chamar. A memória do sonho perdido começa a entrar em mim, ou melhor a pairar sobre mim como um reles fantasma. Relutantemente ponho o cérebro em funcionamento e junto as peças desconexas do sonho. Tudo faz sentido. Chamar-lhe sonho foi premeditado, eram memórias lentamente desfiadas ao som da eternidade e da insanidade. Já se passou quase um ano e quase que posso sentir ainda o aroma dela. Mas não posso parar, não agora que os meus instintos me dizem que posso parar de procurar o outro fragmento.
De volta ao presente, já não é a curiosidade que me puxa para o telemóvel, o instinto cada vez mais certo de que é o inevitável destino toma conta de mim, mas ao agarrar no telemóvel recebo um último aviso de perigo. É o segundo que ignoro em menos de uma semana. Procuro o nome já gasto no meio das mensagens novas. Eu sabia, de alguma forma já sabia que ele lá estava. Chega de hesitações diz-me uma parte latente em mim. “Cravarei sem dó.. e deixar marcas no teu corpo. Sangue doce sangue, não tardes”
Não consigo reprimir o sorriso que me aflora o rosto enquanto sinto os espinhos cada vez mais cravados no coração. De certa forma e sem saber ainda como, dei os passos certos mesmo quando me pareciam errados, e assim os ciclos do tempo voltam a repetir-se, mas desta vez trazem o começo de tudo e não um fim.



- Adenda -

Errare Humanum Est… há demasiado tempo que não sou humano por dentro. Tocado pela força das minhas acções, já só me resta a forma desta frágil carapaça. Tocado pela força de um erro que destruiu a única parcela de vida à qual dei mais valor que aos meus instintos, e agora desapareceu e o silêncio diz-me que é para sempre.
Para sempre porque foi assim que escolhi esfumar-me no tempo, longe dela e depois de destruir tudo o que pudesse fazê-la sentir algo por mim. (L’Arrogance…)

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